Ela chegou do trabalho cansada. Tomou um banho porque não
gostava de andar pela casa com o que ela costumava chamar de “pele de rua”.
Tinha dinheiro e condições de ter um carro, mas andava de ônibus e metrô... e
sabia que o transporte público era nojento.
Naquele dia, vestiu a blusa de cinema desbotada e o moletom
cinza que usou a semana inteira. Colocou um prato congelado no micro-ondas,
pegou um saco de Doritos e se jogou no sofá de dois lugares milimetricamente
ajustado no flat, de frente para a televisão.
Lembrou que tinha quatro comédias românticas inéditas no
pen-drive e acessou o conteúdo sem se preocupar com o noticiário. Apertou a
seta para baixo do controle e fechou os olhos. “O que ver, hoje?”, foi o que
pensou antes de soltar o botão e abrir os olhos.
O filme escolhido foi “Larry Crowne”, com Tom Hanks e Julia
Roberts. – Ah, a enfezadinha! – Certa vez, leu numa revista que ela era uma
atriz mal humorada e jamais esqueceu. Mas o micro-ondas apitou, então, ela
fechou o saco de salgadinhos e deu pause.
Enquanto jogava no prato uma gororoba que a embalagem vendia
jurando que se tratava de um congelado saudável, sua cabeça voou para uma
realidade paralela e o resto de suas ações, comprometidas pelo seguinte
pensamento, funcionaram lentamente.
No sofá havia um rapaz. E ela estava levando comida para
dois. Ela nem bebia, mas tinha uma garrafa de vinho e duas taças no centro. Ele
gostava de seriados mais do que as comédias românticas, mas não se importava de
assistir na companhia dela.
Por incrível que possa parecer, ela usava as mesmas roupas,
mas o cabelo estava preso e sua nuca exibia um traço erótico de sua pele
cheirosa e sensível. Era proposital. Praticamente carregava uma faixa explícita
que dizia “beije aqui!”.
Sentou ouvindo ele esfregar as mãos e dizer “hummm!”. Ela senta mostrando um sorriso de quem achou aquilo engraçado e coloca a primeira
garfada direto na boca do homem mais cheiroso e paciente do mundo – e que era
dela (ela tinha que ressaltar orgulhosa).
- Sei fazer ovos fritos. Com cebola e tomate picados.
Maionese ou qualquer outro molho pode ajudar no sabor – ela solta desenfreada. –
E posso dar um jeito no hambúrguer tradicional, se triturá-lo e acrescentar um
tempero de mais cebola ralada e mais tomate.
- Você está aceitando o meu pedido de casamento?
- Não sei – disse interrompendo o rapaz para não perder a
linha de raciocínio. – Eu... Nós vamos precisar de alguém para apanhar o cabelo
do ralo do chuveiro porque eu tenho muito nojo. Muito nojo de verdade. E você
precisa jurar que sempre estará por perto se aparecer algum inseto.
- Ha! Eu posso fazer isso, meu amor, sou seu super-herói!
- Sushi uma vez por mês, no mínimo. E...
O filme passou do limite no pause e soltou a música de
abertura. Ela pinoteou no chão de cerâmica da cozinha e percebeu que a comida já
estava no prato. Suspirou balançado a cabeça enquanto dizia “babaca!” com si mesma e voltava para o sofá com o jantar nas mãos.
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Sem música, hoje.
Só Deus sabe como eu fico FELIZ de escrever um texto de primeira, que me agrade e que eu não precise editar uma só vírgula! Esse post vai para todos que já elogiaram alguma coisa que eu escrevi! São meus anjos, que me fortalecem e me dão asas! :D
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