Wednesday, November 19

Noites em claro


Hoje, depois de muito saltar entre os assuntos, acho que vou optar pelas noites em claro. A primeira vez que lembro de ter visto o dia nascer, porque ainda estava acordada, foi aos cinco anos. Se já havia acontecido antes, mais uma vez, não me recordo.

Aquele dia, em especial, fora o aniversário de 15 anos da minha irmã. Festança! Coisa que nunca tive, por sinal. Minhas festas de aniversário sempre se resumiam a bolos, comes, bebes e um vestido pomposo que minha mãe me fazia vestir. Felizmente, morava num condomínio cheio de crianças remelentas, então, era o momento de ganhar presentinhos dos anos 80 ou 90 e ser paparicada.

Mas, minhas festas à parte, porque não é delas que vamos falar, voltemos às noites em claro: Então... A primeira noite que lembro de ter visto, não exatamente o sol nascer, mas o céu voltar a ficar azul-claro e ver as estrelas desaparecer, eu tinha 5 anos e havia virado a noite num clube, comemorando uma puta festa de 15 anos da minha irmã mais velha.

Lembro que fiquei um pouco eufórica: “Então é assim que o dia volta a ser manhã?!” Os passarinhos cantavam não sei onde, um ventinho gélido soprava, a maioria das mulheres já haviam tirado os saltos, as maquiagens estavam destruídas, os olhos vermelhos, crianças dormiam nos colos dos pais, fim de festa. E eu? Eu estava numa destas cadeiras de ferro desmontáveis... admirando o céu azular.

Outras vezes aconteceram. Especialmente quando fiquei adolescente, com a chegada da maldita internet discada. Mas a primeira vez foi especial. Garanto que meio mundo não lembra da primeira vez que viu o dia nascer. Eu lembro. Se não foi a primeira, marcou para se tornar. Mágica!

Praia! Dias em que minha mãe prometia praia ou piscina eram uma desgraça nas minhas noites de sono. Normalmente passava a noite em claro, não conseguia dormir. Não sabia , mas já mostrava fortes sinais de ansiedade na flor da infância. Deitava querendo que o dia amanhecesse. Queria pular todas as etapas, queria não precisar vestir o biquine ou tomar café da manhã. Queria não precisar entrar no carro e chegar ao clube. Queria muito menos ter que aguardar a noite passar. Isso tudo demorava muito! Queria estar na água, mergulhando e saltando com minha linda bóia do Tio Patinhas!

Ah, infância querida, tenho muitas saudades de você. De quando não precisava perder a noite de sono preocupada com a saúde de algum parente. Com a possibilidade de perder o emprego ou de me tornar estável e jamais crescer profissionalmente. De não alcançar os meus sonhos.

Quando era pequena, estava ansiosa porque queria me divertir, porque desejava aproveitar um dia inteirinho levando sol e sombra do final de semana. Estava rodeada de pessoas que cuidavam de mim, que me protegiam e perguntavam se estava com fome, com sede... e me divertiam com o que quer que desejasse brincar.

Na hora do almoço, desciamos por uma longa escadaria irregular de cimento no meio  das árvores para o restaurante. Apesar do sol perto do meio-dia, o ambiente era muito fresco e meus primos perdiam horas catando os tamarindos mais amarelos. Minha irmã costumava provar diversos e me dar pedaços dos mais doces.

Alguns trechos desta mesma escadaria tinham um corrimão por onde costumava girar até ficar mais velha e não caber. Sinto falta disso. Sinto muita falta disso. Eram meus dias perfeitos, que saudades! Como gostaria de voltar no tempo.

Ficava muito chateada quando precisava cochilar depois do almoço. Odiava aquilo. Me levavam para um bercário idiota, me apagavam não sei como e ainda me punham num berço quando, em casa, eu dormia na cama da minha mãe! Quanta bobagem! Eu não precisava dormir!

Só quando realmente fiquei mais velhinha é que me livraram deste tormento. Mas, convenhamos, para alguém que passava a noite em claro, um cochilo para recuperar as energias não parecia má ideia. Não lembro de resmungar muito tempo. Acho que apagava antes da hora. Hahaha... E pouco tempo depois, estava enfiada no biquine, tomando mais banho de piscina.

Depois do almoço, quase todos os primos tiravam um cochilo ou evitavam a piscina. Havia um salão de jogos onde os mais velhos costumavam brincar de totó ou assistir tv. Lembro de sofás e um aquário com cágados, mas não são imagens muito claras na minha mente.

Algumas situações da minha infância acabam com um bom registro. Quando chegava ao clube, sempre, seeempre precisávamos nos trocar nos banheiros de azulejos azul. Eu lembro deles muito bem porque eles davam para uma área aberta não muito longe da piscina e o sol era muito forte. Dentro do banheiro, por outro lado, os azulejos refletiam uma espécie de azul e toda a área era bem mais escura. Entrar com as pupilas miúdas era um desafio. Sair com as pupilas dilatadas, outro. Lembro muito perfeitamente deste incômodo nos olhos todas as vezes em que precisava atravessar a porta do banheiro, fosse entrando ou saindo.

Depois, excitação. Lembro de estar trêmula, muito trêmula, querendo alcançar apenas o chuveiro branco para as piscinas. O chuveiro ficava depois de um pequeno labirinto de grades brancas. Às vezes as grades estavam descascando um pouco, com ferrugem, mas no geral, muito conservadas. Eu me molhava muito mal, quase sem conter as pernas tremelicando de ansiedade, querendo a piscina.

Do lado direito, brilhava a piscina pequena, me chamando até meus 5 anos de idade. Depois, a maior ficou mais atraente. Naquele tempo, se alguém me mostrasse um caminhão de dinheiro e a piscina daquele clube brilhando no sol de sempre... Não era algo negociável. Pulava como uma rã, de pernas e braços abertos, ouvindo aquele “blurrr” por afundar... Depois esperava a minha bóia do Tio Patinhas me erguer à superficie... então me acalmava aos poucos... e curtia o resto do dia do jeito que já contei.

Lembro muito pouco da minha mãe nestes eventos. Ela costumava participar melhor dos passeios à praia. Passar à noite em claro era de praxe. Neste caso, já vestia o meu biquine porque na praia não tinha como fazer isso.

No caminho até o destino, o toca fita do fusca rodava sempre as mesmas músicas da Maria Bethânia e “Mel” é uma das minhas preferidas até hoje por causa das ótimas recordações. Na praia, havia um enorme desafio: alcançar o mar e pular o sargaço. Odiava aquilo. Sempre tinha que passar correndo e não gostava nem um pouco da sensação de pisar em coisas que não sabia direito o que eram. Vai que tinha algum carangueijo ou água-viva?! Morria de medo.

Apesar disso, não deixava de curtir o mar por causa do incômodo. Na hora do almoço, comia sempre as porcarias que gostava: agulhinha frita, batatas fritas, refrigerante, picolé. Sujar a roupa não era uma preocupação, mas passar o protetor solar era uma coisa chata e, naquele tempo, fedorento/desagradável.

Tempos à parte, não trocaria o toca-fita pelo mp3,  a agulha frita pelo sushi, o picolé pelo sorvete de marca ou o biquine da feira por um pedaço de pano comprado em site. Não que já não faça isso hoje em dia. Faço. Cresci. Não estamos nos anos 80 ou 90. Mas voltaria para viver tudo de novo.
Nem de brincadeira é possível dizer que uma criança dessas não teve uma boa infância.

Monday, November 17

Maze Runner - Correr ou Morrer

(The Maze Runner, Wes Ball, EUA, 2014)


Eu acho que não sou exatamente a pessoa melhor colocada para falar do filme Maze Runner, já que não li o livro, mas vou falar do que achei da obra fílmica enquanto filme por si só, ok?

Eu achei uma história fraca, sem pé nem cabeça, tentando imitar muito feio o sucesso de Jogos Vorazes. Um bando de adolescentes sem memória, presos no meio de um labirinto perigoso que se abre toda manhã para ser explorado, porém, à noite, se você estiver do lado de lá quando os portões se fecham, você não volta para contar a história.

A ideia é interessante. Dizer que não curti, também é exagero. Não está muito longe daquele perfil das sociedades que você também encontra em Divergente. Ou da revolta disso. Um lembra o outro. O perfil deles é bem semelhante.

Eu só achei que (mais uma vez, minhas conclusões são baseadas no filme, eu não li o livro) a história parece percorrer uma linha que ainda não tem ideia do desfecho, como Lost. E seu grande perigo é se perder, como também aconteceu com Lost numa quantia absurda de questões que nunca foram respondidas.

As justificativas não são boas, apesar de ter uma história interessante. O que parece é que alguém filmou ou escreveu no calor das ideias, invés de sentar, pensar, responder às várias questões que envolvem a trama para, enfim, dar seguimento.

Vou tentar exemplificar. Vamos imaginar o roteirista/autor pensando: "No primeiro livro, eles só lembram do nome deles. Estão presos há 3 anos. Vão achar que estão livres, mas serão enganados pelas próprias pessoas que os mantiveram presos. (Vamos supor que a criadora da história pensou nisso. Então ela debilmente segue:) Daí, preciso de uma justificativa para enrolar os garotos... [Três segundos depois...] OK, já sei! Eureka! O sol esquentou demais, vai ter uma sala, um vídeo onde os meninos vão parar quando saírem do labirinto, um suicídio fingido, pessoas carregando eles para longe, blá blá blá..."

Gente. É sério, isso? Ninguém aí ficou com a sensação de estar vendo um filminho com justificativa de autor preguiçoso?

Vamos ter que aguardar os próximos? Talvez? Bem, ok.

Veja o trailer:


E outras imagens:



Sunday, November 16

Interestrelar

(Interstellar, Christopher Nollan, EUA, 2014)


A primeira frase que tenho para este filme é: "Como eu sinto falta de obras cinematográficas neste perfil!" Que filme! Tudo bem que estava esperando uma batalha nas estrelas do nível Star Wars, mas, ainda bem que não é. Por sinal, ele começa numa fazenda, poeira, milharal (acho que é milharal), carro velho e drama! Poucos atores, poucas trocas de cenário e, ainda assim, uma fotografia espetacular! Você não vai sentir o tempo do filme. Estará completamente submerso na história, ouvindo seu inconsciente sussurrando do sofá "Vai!... ...Vai!... ...Vai!..."

E toda essa brincadeira fa-bu-lo-sa com a Física Quântica e Murphy vão merecer o meu respeito pelo resto da vida! Quem me conhece, sabe o quando amooo tudo isso, apesar de minha incapacidade mental para estudar a fundo.

Graças a este suporte matemático-físico, por sinal, temos uma grande aventura, um desfecho impressionante, que muitos vão considerar confuso, mas impressionável. A meu ver,  verossímil, já que aborda questões e estudos justificados e se utiliza da ficção para criar outras tantas ainda não alcançadas. Amei, amei, amei.

A trilha sonora, por vezes, se sobressai de tal maneira que fica impossível não comentar. Parabéns Haaans! Meu namorado comentou no final: "Tinha que ser, né?" (Concorrrdo! Tinha que ser!) Que parceria Nollan e Zimmer. (Por sinal, o soundtrack já está disponível por aí (se é que vocês me entendem). No elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway e Michael Caine.

Recomendo em absoluto!

Se interessou? Veja o trailer:



Outras imagens:




Thursday, November 6

Mãozinhas coladas para sempre


O livro “Palavra por palavra”sugere que você escolha uma hora específica do dia para escrever. E que comece falando desenfreadamente sobre sua infância. Provavelmente porque já passou e você teria alguma coisa para contar sem precisar necessariamente estar preocupada com a criação. “São apenas histórias de sua infância” e você acaba escrevendo despreocupadamente.

Então, eis que, já tentando inciar esta tarefa, gostaria de começar pelo incidente que me ocorreu quando tinha uns 4 ou 5 anos. Naquele tempo, já nem consigo lembrar de cabeça a minha série. Minha mãe só costumava dizer, com certo orgulho, que jamais teria pago “Maternal” ou “Creche”, então fui direto para o que chamavam de “Jardim I”. Hoje eu não faço a menor ideia de como chamariam. O fato é que lembro muito bem do que aconteceu naquele dia porque estava só e precisava tomar uma grande decisão. Tinha uma espécie de bomba relógio nas mãos e não sabia como resolver. Esperei o momento certo e agi.

Nos anos 80 os chicletes não eram como estas gomas de mascar da atualidade (que não grudam no dente ou na parede). Na minha infância, eles colavam em qualquer coisa. Infelizmente, não lembro de como aquele doce foi parar na minha boca, mas brincava de massinha enquanto eliminava o açúcar rapidamente. 

Minha história salta daí para o chiclete em minhas mãos. Não lembro porque fiz isso. Sei, apenas, que tudo começou porque resolvi pegar no chiclete. Deve ter sido uma decisão da minha humilde idade, de pegar em coisas que estão na boca na mesma proporção que costumávamos colocar na boca as coisas que carregávamos nas mãos.

O fato é que o chiclete colou num de meus dedinhos e tentei eliminar sua aderência, usando outro dedinho. Este, por sua vez, também foi afixado no chiclete e quando abri a mão, havia uma linha de chiclete que ia de um dedinho a outro. Não obstante, lembro do meu primeiro pensamento inocente – talvez não com esta clareza de palavras: – “Mas não é possível que todos os meus dedos fiquem colados nesta joça!”. Eu ainda não sabia, mas estava vivenciando uma das minhas primeiras ótimas histórias contáveis até hoje.

A outra mão apareceu para ajudar, outros dedinhos entraram na história, as palmas – não sei como – e minhas unhas também. Pouco tempo depois, eu estava sem mãos, achando que nunca mais poderia usá-las novamente. O chiclete havia colado todos os meus dedinhos “para sempre”. Eu acho até que isso é culpa dessas histórias da Disney, com esse papo de “...e viveram felizes para sempre”. Vai ver é por isso que, apesar de gostar muito de “A Bela e a Fera” ou “O Rei Leão”, não pago pau para estes filmes na minha infância. Sou produto de outros... Mas isso é história para outro dia.

E de volta às mãos atadas na goma de mascar dos anos 80, aquelas que eram bem infelizes, eis que enfio os braços debaixo da mesinha onde outros 3 amigos brincavam despreocupados. Lembro que a sensação era igual a daqueles filmes em que acontece uma tragédia muito grande: todo o resto caminha em câmera lenta, o som desaparece, você às vezes escuta as batidas de um coração – neste caso, era um coraçãozinho de 4 ou 5 anos – e, por estar na escola, havia gritinhos de crianças brincando bem ao longe. A expressão perfeita para a situação era: “Mainha, o meu mundo caiu!”

Sei que parece divertido. É para ser. Mas na hora? Não foi não, viu? Eu estava bem desesperada! Minhas mãos estavam coladas “para sempre”. E eu tinha um dilema enorme para resolver: “Ahmeudeusdocéu, como é que vou contar para a minha professora?” 

Eu sabia que estava perto do horário de largar, então achei legal esperar pela minha mãe. Mas estava com tanto medo e o tempo parecia que não passava... E eu precisava tanto, mais tanto, dizer a alguém! A minha professora era tão legal, eu queria tanto contar a ela! Mas ao mesmo tempo, achei que ficaria tão decepcionada...

Eu era uma das melhores alunas da sala. Para ser bem sincera, eu era o xodó da professora. Lembro que, naquele tempo, ela não tinha filhos, e vivia dizendo que queria que seus filhos fossem bem parecidos comigo se tivesse um. Ela sempre me colocava para ser a primeira da fila, sempre me ajudava com o lanche e me deixava sentar junto quando não queria brincar com meus coleguinhas. Esta foi a minha primeira professora. Minha amada professora.

Então, tive uma ideia brilhante! Nestas turmas, sempre tem um aluno que chora em algum momento. E eu sabia disso. O curioso é ter esta consciência aos 4 ou 5 anos. Bem, enfim, eis que esperei o próximo coleguinha chorar e não demorou. Graças a Deus, foi da minha mesa mesmo. Aproveitei o embalo e coloquei a boca no berreiro. Chorei junto também! Olha que plano infalível!?

A professora acalmou os meninos que estava brigando por um pedaço estúpido de massa e se ajoelhou do meu lado perguntando o que estava acontecendo comigo. Eu estava aos prantos. Enquanto as lágrimas desciam, tirei as mãozinhas debaixo da mesa e mostrei o resultado de um chiclete dos anos 80 que me deixaria paralisada pelo resto da vida.

Primeiro, a professora tomou o maior susto de todos os tempos. Hahahahaha... Depois me levou para o tanque e jogou muito detergente enquanto esfregava uma palma da mão na outra sem parar. (Eu estava chorando ainda.) Sem muito resultado, ela sentou comigo nos degraus da entrada da sala, jogou um punhado de areia nas minhas mãos e esfregou um pouco mais. Quando minhas palmas se soltaram, finalmente, uma da outra, parei de chorar. Ainda havia goma de mascar entre os dedos, mas o “para sempre” havia, literalmente, caído por terra.

Lembro de ter visto minha mãe chegar... E de tê-la visto me olhar com uma carinha de pena... Talvez por não estar presente quando eu senti que precisei dela. Devo ter chorado novamente, não lembro. Mas agora estava aliviada. Minhas mãos estavam livres, minha professora estava me ajudando, minha mãe estava ali e tudo ficaria bem. 

Estou aqui pensando no que realmente me deixou assustada. Até pouco tempo atrás, não sei dizer se levava a possibilidade de não poder usar as mãos tão a sério assim. Quer dizer, era só isso mesmo? No mais fundo, penso que não. É como se fosse, mas também não é. O que acho é que não gosto de certas mudanças. Ou não gostava. Minhas mãozinhas eram tão lindas soltas, meus dedinhos eram tão bonitinhos, foi assim que eu havia sido até ali. Por que tinha que ser diferente, agora? Não era perder as mãos. Era talvez não ser mais do jeito que sempre foi... Era o risco! O risco de não ser tão bom. De... sentir muitas saudades e não poder voltar atrás.