Saturday, January 18

A menina que roubava livros (erros do filme e outros...)

(Markus Zusak)


Rapaz, eu comprei esse livro assim que lançou. Para vocês terem uma ideia, as páginas estão amareladas e a ortografia é antiga. Mas eu nunca o li. O que me impulsionou foi o trailer do filme... Mentira. Na realidade, a trilha sonora do filme. Melhor: o comentário do namorado S2, que falou numa das mil vezes que fomos ao cinema e rolou a trilha no trailer: "a música desse filme é boa!" e concordei.

O comentário aconteceu duas vezes. Em filmes diferentes. Acho que foi tudo que precisava para encaixar pecinhas de algum quebra-cabeça e desenvolver a atração certa pela história. No começo da semana olhei para ele... na última prateleira, bem pertinho do meu computador. Tenho a ligeira impressão de ter comprado em janeiro de 2008, junto com outros exemplares que já li.

Uma coisa fica rodopiando minha cabeça quando penso nisso... Acho melhor escrever logo. Talvez descanse: certa vez, li que, às vezes, quem escreve, precisa deixar o que foi escrito por um tempo numa gaveta. Esse tempo é diferente para cada pessoa e cada escrito. É o famoso "tudo tem a sua hora". Talvez, na leitura, alguns livros precisem de algum tempo na prateleira. Quero dizer, tenho este livro há exatos 6 anos. Por que só agora?


A menina que roubava livros é bem curioso nas primeiras páginas. Você descobre cedo que não é a tal garotinha que escreve a história, mas uma terceira pessoa... Um personagem muito distante e inevitável na vida de qualquer pessoa: A história é contada pela Morte. Que vai te condizir e emocionar bastante.

Chorei várias vezes. Mas chorei de soluçar mesmo. Chorei porque senti a dor dos personagens cansados, famintos, injustiçados, mortificados, mortos-vivos, parados no tempo, no espaço. A referência criada pelo personagem do Max com uma árvore que acaba crescendo demais foi abusiva, absurda. Acho que foi um dos grandes pontos do livro. Na minha concepção, é o verdadeiro caramba!, contraste que existe no livro inteiro, no sensível e grotesco da guerra, na agonia das pessoas. É perfeito. É a metáfora da simplicidade da coisa toda explicada em desenho e palavras para uma criança tão inocente e sofrida. É... desnecessário o exagero em palavras.


Por este motivo, eu não gostei do filme. Mexeram na cronologia e na história em si, esfriaram e fatiaram tudo em contos friescos. A inocência de Liesel sobre a guerra oscila. Cortaram trechos de sensibilidade absurdas. E Max não era Max. Meu Max era como O Pianista. Não uma versão boazinha de Tom Riddle inrustida. Nota zero. É realmente uma pena que alguém, quem quer que seja, se ache no direito de sequer imaginar que pode ou deve mexer na história de um livro como este. Os pontos positivos são vários, mas mexeu na história, meu amigo, mexeu em muita coisa! Mexeu em quase tudo!

A atriz é muito boa, os personagens são muito bons. A atmosfera é a que se imagina no livro, a trilha sonora agrada, mas eu confesso que também esperava mais. Parece que colocaram o melhor trecho no trailer. Cadê a sensibilidade da história?... É tão engraçado precisar procurar desesperada pelas "emoções" do livro no filme! Algo tão mais fácil de se construir  em tela! Palmas para Markus Zusak, que soube construir tudo aquilo em cima de letras e papel!

Quem só viu o filme e achou que tá tudo bem, olha só: não está tudo bem! Presta atenção: o começo desenrola legal. Então uma infinidade de absurdos começam a acontecer, é praticamente uma história nova. Pontuarei aquelas que lembrar:

1) O Prefeito não proíbe sua esposa de se encontrar com Liesel porque ele nunca vê isso acontecer. Na realidade, a mãe de Liesel deixa de passar as roupas deles porque o Prefeito acha injusto que nos tempos difíceis que seguem da guerra, eles continuem no luxo de ter alguém para engomar as roupas. Isso deixa Liesel revoltada e ela deixa de visitar a casa Ilsa porque fica chateada. A partir daí, começa a roubar os livros e, por sinal, tem a companhia do amigo Rudy todas as vezes, exceto na última. A própria esposa do prefeito sabe dos roubos, mas não se importa porque gosta da menina. E lá para o final do livro elas meio que se resolvem através de cartinhas.

2) O pai de Rudy e o pai de Liesel são convocados para a guerra ao mesmo tempo e saem com a diferença de poucos dias. Mas é bem pra lá do final da história. Na realidade, o pai de Liesel nem bebe mais. E no dia em que ele resolve beber, é porque vai para a guerra na manhã seguinte.

3) Por falar nisso, o Hans Hubermann, pai de Liesel, já na guerra, é bem quisto pelos colegas, e não visto como um velho gagá pelos companheiros. Só tem um probleminha com um novatinho que se acha o bambambam. De qualquer forma, esse novatinho morre naquela explosão que vira o caminhão.

4) Quando Max adoece, Liesel começa a trazer várias coisas para dentro de casa que encontra na rua. "Presentes" para quando ele acordar. Uma bola murcha, jornais, pena (...). E quando ele acorda e a mãe dela vai na escola para avisá-la e cria aquela espécie de "teatro", não é a foto do irmão dela que ela entrega. É um desses presentes que ela diz que Max mandou deixar com ela.

5) Uma das coisas mais abusivas e absurdas que eu achei na história foi a entrega do Mein Kampf pintado de branco como um diário em branco para Liesel escrever. Bicho, ele não dá nenhum diário em branco a Liesel! O que Max faz é escrever uma história lindíssima de como se conheceram e de como ela ajudou ele a se recuperar. Gente, é lindo! É muito sensível. Como é que jogam isso fora, meu Deus? E tem a parte onde todo mundo ajuda a pintar as páginas de branco. Inclusive a Mama. 

6) Não lembro de ler alguma coisa sobre a Mama querendo entregá-lo a polícia em nenhum momento. Lembro dela muito resiliente, apesar da boca suja. Achei aquilo uma falha tremenda no filme também. 

7) O diário, por sinal, é entregue bem no final da história por Ilsa, a esposa do Prefeito, não tem nada a ver com Max. Quando as duas já fizeram as pases. Vejam que coisa totalmente diferente. Horrível.

8) Existe uma cena no livro que achei que deveria constar no filme. Por diversas vezes, as pessoas daquela cidade onde Liesel está morando assistem a passagem dos Judeus maltrapilhos. Numa das vezes, Hans tenta ajudar um deles dando-lhe um pedaço de pão, já que ele nem consegue se levantar e caminhar (eu achei isso bem forte, achei que deveria participar da cena). Então, Hans é açoitado e marcado a partir dali. E é por isso que acham melhor mandar Max embora. Não tem nada a ver com alguém estar sendo levado porque tinha um M ou N a mais na letra e ser judeu e não-sei-o-quê.

9) Daí, numa dessas passagens dos Judeus, Liesel espera por Max e o encontra. Eles começam a falar trechos do livro que ele escreveu para ela. Se abraçam. E os dois são açoitados por uma infinidade de vezes. O jeito como isso está escrito no livro é de uma dor, de uma sensibilidade. E eu não perdôo de não ver a cena!

10) Quando o pessoal aparece para medir o tamanho dos porões, Rudy não sabe de Max. Rudy só vem saber de Max nas últimas páginas do livro. Então ele não ajuda Liesel com o arranhão. Ela se resolve só. Ela é muito mais forte do que aparenta. E os pais dela, quando está acontecendo a inspeção, não agem com tanta desconfiança. Estão jantando. O inspetor mal percebe.

11) Coisa absurda: os pais de Rudy não deixaram o aquele pessoal levá-lo embora. O próprio Rudy gostaria de ter ido, mas não sabia o que estava acontecendo. Não conseguiu nem se oferecer. E morreu, inclusive, na história, em parte, por não ter ido. O pai se culpava muito por causa disso. Não entendo porque deram espaço para esta mentira se ele morre no fim das contas. No máximo poderiam não ter aproveitado.

Então assim, passaram uma fragilidade das pessoas diante das autoridades que na realidade é pouco tocada no livro. O que é mais visível o tempo inteiro é a fragilidade deles diante dos próprios familiares, diante das pessoas que eles mesmos convivem. O amor de uns com os outros, do convívio. Pareceu um filme de guerra. A menina que roubava livros não é um livro de história de guerra. É um livro de uma história que se passa no período da guerra.

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